ensaio

Posted in Ensaio by antoniomarcospereira on agosto 13, 2014

teatro-julio-ramon-ribeyro-L-tvKecg

Eu, que tantos homens fui, também fui um fumante, como Ramón Ribeyro, mão em concha contra o impedimento do vento no meu isqueiro: fui feliz. E não à toa me lembro dele justo agora: hoje se inaugurou uma prática de boxe em frente à minha casa, e estou em West Baltimore, e de eremita isolado virei apenas mais um pobre-diabo. Odeio os esportistas, em particular os que se celebram contra meu silêncio; preferiria fumar diante deles, ostentando, malditos. 

Lástima, pois se há algo que me enche o saco em tudo que li de Ramón Ribeyro é justamente seu apego a dizer alguma coisa através dos seus pobres-diabos. Foda-se a relevância social, o didatismo, a lição. Se o leio hoje, e se elevo Ramón Ribeyro sempre que posso, é por coisas como Ridder e o pesa-papéis“Época? Lugar?”: perfeito, foda-se a verossimilhança, se vire, leitor: estude, leitor! Aprenda a ler. 

Ou pela história, que pérola, contada na primeira fase do diário, La Tentación del Fracaso (Seix Barral, 2003). Um tal Narvaez aparece em Lima, retornado de um período em Arequipa, muito emagrecido. “Lá a boemia era brutal”, diz Narvaez. “Se continuo naquela vida cã, me matam, ou me suicido”.

Lê, depois, um conto escrito por Narvaez “que me pareceu belíssimo, de uma intensidade que me deixou pasmado”.

Passam-se os dias. Conta que saiu e se embebedou com Narvaez. O álcool fala ao fraterno, revelação: “a impressão que me causaram os antebraços de Narvaez talhados pela navalha suicida”. O cara nunca tinha ido a Arequipa, estava em uma clínica se desintoxicando da morfina, “me contou experiências aterradoras com a droga”, “em consequência, agora fuma setenta cigarros por dia”.

Organiza-se, semanas depois, um sarau. Vários leem suas coisas, Narvaez está lá. Por alguma razão, ele não lê, e se emputece, e se vai. Ramón Ribeyro, contrito, lamenta: “seu conto era melhor que tudo que foi lido”. O ano é 1950, nas quase setecentas páginas do diário não se ouvirá mais falar de Narvaez: seu conto se chamava Crisálida.  

Deixe um comentário