“Eu também tô lendo Karl Ove”
Estou lendo os livros do Karl Ove. Milhares de noruegueses e suecos já leram, e aqui estou correndo atrás, esperando as traduções saírem, ávido. Não sei exatamente o que os livros tem, e como eles fazem o que fazem: isso me interessa, pois é parte de meu trabalho examinar essas questões. Mas, por enquanto, estou lendo os livros do Karl Ove como se fosse possível apenas ler os livros do Karl Ove. Coisa vã: acho estúpida a alusão a Proust, que virou um vício do cachimbo da recepção, e outro dia vi um sujeito comparando o Karl Ove a, valha-nos deus, Franzen. Nada a ver, cara, pensei. Nada a ver.
Estava eu portanto com meu Karl Ove na mão, já o volume 3, e lembrando de coisas que a C falou sobre a vida na Noruega, sobre os anos que ela passou na Noruega e sobre como tem sido bom pra ela ler o Karl Ove e lembrar dessas coisas. Sim, eu tenho sido evangélico com o Karl Ove, eu tenho presenteado as pessoas com o livro, tenho insistido para que leiam, tenho dito Leia, cara, é bom, ou Rapaz, esse livro é do caralho, ou O melhor livro que eu li ano passado foi esse, e coisas da mesma estirpe.
Sendo as coisas como são estava eu assim sentado no sofá ao lado de minha sogra que, diante da novela na TV, dizia, não exatamente pra mim, mas pra qualquer audiência que tivesse, inclusive a dela mesma, que Nessa novela não acontece nada mas eu não consigo deixar de ver essa porcaria! Fala enfática, declaração de perplexidade: constata-se uma falência, mas apesar disso afirma-se um sucesso; constata-se uma falência e talvez exatamente por isso verifica-se um sucesso. A audiência diz que o gênero está sendo violado: viola-se o gênero, rompe-se o pacto, frustram-se expectativas. E todavia: ouvindo minha sogra comentar a novela respondi É, eu também tô lendo Karl Ove. Mas respondi isso comigo mesmo, sem falar.
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